sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Eu dos Demônios

Tô enjoada. Não aguento mais uns de mim. Sou qualquer coisa pra quase todo dia do mês e às vezes é aquela agonia: num dia muito Puta e no outro menos Santa. Durmo Moça, acordo Psicólogo e se madrugo, no corredor, me cruzo Socióloga.
É Bate e Assopra, Xinga e Chora, uma Escolha que demora e depois vira Pergunta. Se aparece qualquer Assunto pra Discussão entra em cena Pesquisadora, Lutadora de tatame, Escritor, Leitora, Jovem- velha, alguém Infanto-saudosista, mas com uma total Preguiça de quem vive um adulto infantilizado.
Se não tomo cuidado a Feminista, em vias de abandonar a Lógica, fica Neurótica, por um triz de meter a mão ou adotar aquele Eu Canastrão. Bem assim, meio sem jeito, meio sem gênero, um tanto torto e mais outro também.
É uma gente meio fora de lugar, mas curioso que às vezes, mesmo Penoso, me faz gozar de mim. É um deslocamento não muito confortável, mas o Sádico faz questão de incentivar os outros só pra ver quantos D’eus cabem em mim.
O Depressivo está sempre à espreita. O pior é que esse maldito vive acompanhado da Ansiedade. Um lamenta e a outra sente pressa, decide pelo impulso. Que bela combinação! O casal ejaculação precoce. Outro dia ouvi uma conversa estranha sobre presente e futuro entre os dois. Fiquei Pensativa.  Ah, essa parte de mim...  Quase uma Cafetina. Arranja tudo, aceita esse todo mundo em orgia, abraça os conflitos e rindo diz:
- Entre a unidade e a multiplicidade, aqui é a Dialética quem mais goza.




Texto produzido durante o ateliê de Contos e Crônicas coordenado por Luiz Bras na Oficina da Palavra Casa Mario de Andrade.


terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Íntimo Surreal

Quando nos encontramos eu ainda era uma jovem garota auto-sodomizada pela castidade e você, experiente, se mostrou o grande masturbador. Com mãos precisas e olhos fixos tirou de mim o preto e branco, trouxe novos tons e possibilidades. Senti-me expandida em infinito com braços que envolviam e pernas que titubeavam. Lembro-me bem de toda a situação! Às vezes ainda aparece como o sonho, que ressoa mesmo no silêncio, mas é somente a persistência da memória que me puxa, que lhe trás nesse Jogo Lúgubre, tão meu e de vocabulário visual e pedaços de corpos, onde os principais objetivos são as acomodações dos desejos.
Trouxe você pra dentro de mim, fiz das suas cores parte da minha essência e, não importa se desperta ou em sono, tudo o que remete a nós resulta em nascimento dos desejos líquidos numa paisagem de perspectiva estendida e movimentação orgânica. Eu violoncelo e você artista hábil. Mas escorremos por entre nossas mãos e o nosso momento sublime também foi nossa crucificação.
Fugimos de nós, pulamos o tempo de casal com as cabeças cheias de nuvens e caímos... Um segundo antes de despertar. Nossas carícias foram premonição da guerra civil. Com os membros desarticulados você apareceu atômico enquanto eu, mesmo despedaçada, atrevida, fui de Gala. Acabamos corporificando um rosto de guerra em nossa polirritmia e dancei com você, talvez surda aos ritmos, e vivenciamos outra organização dos tons, do tempo, dos ruídos e das pausas. Naquele cosmo distinto, enquanto eu "Se abra!" você... Dalí.
E tudo, entre mãos e bocas, um lastro indefinido, continua ressoando em mim. 



Texto produzido durante o ateliê de Contos e Crônicas coordenado por Luiz Bras na Oficina da Palavra Casa Mario de Andrade.